A definição sobre o que é “desmatamento” se tornou uma frente de disputa no desenho da política que a União Europeia (UE) quer adotar para barrar importações de commodities agrícolas associadas a cortes de vegetação realizados após 2020 – ilegais ou legais no país de produção.

A depender de que tipo de vegetação nativa a proposta europeia quiser preservar, 56%da vegetação ainda existente no Cerrado poderia ficar exposta ao risco de desmatamento para produzir commodities ao bloco. Atualmente, o Cerrado mantém 53%de sua vegetação nativa.

Se a proposta abranger apenas o desmate de “florestas”, conforme definição da Agência das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) – e presente na proposta elaborada pela Comissão Europeia -, 74% da área ainda preservada no Cerrado poderia ser desmatada para a produção de commodities para o bloco, ou 79 milhões de hectares. Mas se o projeto quiser barrar o desmatamento de regiões em “terras com madeira”, um outro conceito também da FAO, a desproteção do bioma na cadeia de fornecimento da UE cairia para 18%. Esse percentual se refere a áreas de pastagem natural.

Os dados constam em um levantamento da iniciativa Trase, que, a pedido do bloco da bancada verde no Parlamento Europeu, realizou um levantamento para comparar o impacto ambiental dos diferentes conceitos a partir de dados do Mapbiomas.

Conceito de florestas 

A análise foi feita sobre a proposta do órgão executivo da União Europeia. O conceito de “florestas” da FAO em que se baseia essa proposta envolve regiões com mais de 0,5 hectare, com árvores de mais de 5 metros e que cobrem ao menos 10% da área.

Mas, no Parlamento Europeu, a matéria vem passando por debates e alterações. Em abril, o Comitê Ambiental do legislativo do bloco propôs mudanças, entre as quais a inclusão do conceito de desmate de “terras com madeira”, como savanas, e de “degradação” de coberturas vegetais. Na definição da FAO, “terras com madeira” incluem também áreas com menor cobertura de vegetação e com árvores inferiores a 5 metros.

Uma eventual exclusão da vegetação rasteira do Cerrado na proposta europeia teria forte impacto na política ambiental que a UE está tentando adotar. A maior parte da produção de grãos e da criação de gado do Brasil é feita no bioma, assim como a maior parte das importações de soja e carne bovina realizadas pela União Europeia provém do Cerrado.

Segundo a Trase, 65% da soja que a UE importou com possível relação com áreas desmatadas nos últimos cinco anos veio do bioma. No caso das importações de carne bovina, 37% do volume com possível associação a desmatamento recente saiu de pastos do Cerrado. Os dados mostram que o bioma é um ponto crítico caso a UE queira barrar o desmatamento em suas cadeias de fornecimento.

A definição do que é desmatamento também implica a proteção ou desproteção de parcelas de vegetação em outros biomas. O uso apenas do conceito de florestas da FAO excluiria do mecanismo as commodities eventualmente produzidas a partir de 9,2 milhões de hectares do Pantanal, área que corresponde a 76% deste bioma. Também livraria da barreira commodities eventualmente produzidas em 6,6 milhões de hectares dos Pampas (74% do bioma), e de 32 milhões de hectares no Chaco, na Argentina e Paraguai (24% do bioma).

A Trase alertou que a política do bloco, se aprovada utilizando somente o conceito de “florestas” da FAO, pode “deslocar a conversão de terras para áreas desprotegidas”, como as que são classificadas como “terras com madeira”.

Em seus comentários sobre as conclusões da consultoria, o bloco de parlamentares ambientalistas da UE defendeu que a nova legislação barre commodities produzidas em quaisquer ecossistemas naturais convertidos recentemente, e não apenas em “florestas” ou “terras com madeira”.

Reserva legal 

A Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara aprovou na semana passada um projeto que retira a obrigatoriedade do produtor rural de averbar a área excedente de reserva legal da propriedade na matrícula do imóvel em cartório. A intenção, segundo a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), é diminuir a burocracia e os custos para registro das áreas de preservação nas fazendas acima do exigido por lei, representadas pelas cotas de reserva ambiental (CRA). “O Código Florestal já prevê que não há necessidade de o produtor rural fazer o registro de sua área coberta por vegetação natural. Aqueles que têm Cotas de Reserva Ambiental não terão a obrigatoriedade de pagar no registro de imóveis, apenas no CAR, com a mesma fé pública e sem gasto”, diz o deputado José Mário Schreiner (MDB-GO), relator da proposta. O projeto é de autoria do senador Wellington Fagundes (PL-MT)

Fonte: Valor Econômico.